“Ministério Público trabalha para garantir eleições limpas no Tocantins”

Preocupado em desmitificar a imagem do Mi­nis­tério Público, retirando-lhe uma carapaça que, erroneamente, lhe foi atribuída ao longo dos anos, o novo procurador-geral de justiça, José Omar de Almeida Junio abordou os aspectos e desafios da nova gestão, iniciada em maio de 2018, após a aposentadoria de Clenan Renaut de Melo Pereira.

José Omar de Almeida Júnior é goiano de Ceres (GO) e seu elo com o Ministério Público remonta a 1976, quando trabalhou no órgão como menor aprendiz, ainda no Estado de Goiás. Comprometido com suas funções, foi gradativa e naturalmente promovido com o decorrer do tempo. Com o advento da Constituição de 1988, que criou o Estado do Tocantins, migrou para a nova unidade federativa para trabalhar como chefe de gabinete no Mi­nis­tério Público do To­cantins. Em seguida, pres­tou o primeiro con­curso para promotor de justiça e ingressou nos quadros do Ministério Público Estadual em 1990. Após atuar e percorrer diversas comarcas, foi promovido a procurador de justiça em 1997, tendo ocupado o cargo de procurador-geral de Justiça por dois mandatos, de 1996 a 1998 e de 1998 a 2000.

Na condição de subprocurador, coube-lhe a missão de assumir a chefia do Ministério Público Esta­dual após a aposentadoria do titular, Clenan Renaut. Contudo, não há ineditismo no exercício de tal cargo, uma vez que o sr. já comandou o órgão em outras oportunidades. Como foram essas experiências?
A categoria já havia me honrado duas vezes, aclamando-me como procurador-geral de justiça. À época, obtive 84% dos votos na primeira eleição e 76% quando fui reeleito. As votações expressivas refletiram a confiança dos colegas em meu trabalho. Foi uma fase difícil, evidentemente, uma vez que o Ministério Público e, ao mesmo tempo, o Estado do Tocantins estavam sendo implantados.

Nesta época, iniciamos as edificações, visando estruturar suas sedes próprias, começando pelas comarcas de Miracema do Tocantins, Dianó­polis, Gurupi, Paraíso, entre outras, e até mesmo em Palmas. Fizemos reformas estruturantes em prédios alugados, mas que serviram a instituição por muitos anos.

Lembro-me que conseguimos iniciar o projeto de informatização do órgão. Abandonamos as antigas máquinas de datilografia, após fazermos a aquisição de mais de 500 computadores. Foi inédito e marcante esse fato. Distribuímos os equipamentos pelas promotorias e proporcionamos melhores condições de trabalho para nossos promotores de justiça e servidores auxiliares.

A nova etapa à frente do Mi­nistério Público é, naturalmente, muito diferente. A instituição já tem um norte e o procurador-geral tem a função de ser o grande gerente desta máquina, cuja finalidade e razão de sua existência é prestar bons serviços — de relevância e excelência — para a sociedade. O promotor de justiça é o anjo da guarda da cidadania, porque ele é a primeira pessoa que as pessoas aflitas procuram para solicitar orientações e apoio judicial, quando se sentem desamparados.

No discurso de posse, o de 2018, o sr. afirmou que pretende realizar uma gestão compartilhada, que conte com a colaboração principalmente do Colégio de Procuradores de Justiça e a efetiva participação da Associação Tocantinense do Minis­tério Público (ATMP) e o diálogo franco com os servidores. Quais são as perspectivas e os desafios desta nova missão? O sr. pensa na possibilidade de reeleição em outubro?
A hipótese de reeleição não pas­sa, no momento, pela minha cabeça. O foco agora é acelerar o ritmo, se­guir com o trabalho e manter os ní­veis de excelência que temos apresentado ao longo dos anos. Os desafios e demandas são grandes e os re­cursos são poucos. Contudo, o tem­po vai dizer se uma reeleição é viável, quando chegarmos à época do plei­to. Não vou falsear a verdade, pois, se em outubro eu tiver conseguido ser útil e a maioria dos colegas entenderem que é o melhor para instituição, não vejo óbice em reassumir o cargo.

Qual é o maior desafio da sua gestão?
Sem dúvida vencer as barreiras econômicas que o Estado do To­can­tins enfrenta no momento e que re­flete no órgão ministerial. Os contingenciamentos governamentais e as frustrações de receitas são prejudiciais e atrapalham nosso planejamento. Atualmente, estamos organizados nas questões financeiras e orçamentárias, visto que há alguns anos passamos a elaborar planejamentos estratégicos antes de requisitar a inclusão dos nossos gastos no or­çamento. Temos orgulho de dizer que nunca ultrapassamos os limites prudenciais da Lei de Responsabi­lidade Fiscal, mesmo porque temos que ser os primeiros a dar o exemplo. Por isso, o maior desafio é implementar o que foi planejado no ano anterior.

No que concerne à Lei que instituiu os portais da transparência, o Ministério Público tem obedecido às regras previstas naquela norma?
Numa tabela criada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que vai de 0 a 100, obtivemos a pontuação de 99,69% em nível de transparência. Trata-se um portal de fácil acesso para qualquer cidadão, sem qualquer dificuldade, que atende plenamente ao dispositivo legal que trata do tema transparência. Mas é necessário trabalhar — ainda mais — para consigamos atingir 100%, quando estaremos, então, plenamente satisfeitos.

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No domingo, 3, o eleitorado tocantinense foi às urnas para eleger um novo governador, em razão da cassação do ex-gestor Marcelo Miran­da. Qual foi o grau de engajamento do Ministério Público neste pleito?
Total. Há um compromisso da instituição com a cidadania e com a democracia. Para se ter uma ideia, ao assumir o cargo de procurador-geral, convidei uma promotora de justiça que atua numa determinada comarca do interior para me auxiliar no gabinete, cujo cargo, naturalmente, tem gratificação. Ela me respondeu, inopinadamente, que estava grata e honrada pelo convite, porém só poderia assumir tal função após as eleições suplementares, visto que ela tinha compromisso com aquela comunidade e com a transparência do processo eleitoral naquela comarca. Isso é motivo de orgulho, porque esse é o perfil e a essência da ampla maioria dos nossos promotores de justiça.

Nosso papel primordial é fiscalizar este pleito, tanto no primeiro quanto no segundo turno, para que não haja abuso do poder econômico, utilização indevida das máquinas públicas. Esse é nosso papel: ser fiscal da lei. Já disponibilizamos, tanto na primeira etapa da votação quanto na segunda, todas as condições de logística e estrutura necessária para que nossos promotores percorram todas as zonas eleitorais, visando fazer com que essa eleição transcorra na mais absoluta segurança e normalidade.

Há uma notável evolução do processo eleitoral ao longo dos últimos anos no Brasil, inclusive com a introdução da urna eletrônica. O sr. acredita que esse modelo é totalmente confiável?
Houve uma sensível evolução no sistema eleitoral como um todo, uma vez que já foi implementado, inclusive, o título de eleitor digital. Acredito no sistema e na transparência das cortes eleitorais, tanto o TRE-TO como o TSE. As urnas eletrônicas, segundo informações dos especialistas, são totalmente confiáveis. Há poucos dias, o Tribunal lançou o desafio para que especialistas em informática tentassem burlar o sistema das urnas e nenhum deles conseguiu. Nestas circunstâncias, acredito nas instituições do meu país, mesmo porque represento um importante órgão, e não poderia negar crédito às demais.

A cassação do ex-governador Marcelo Miranda se deu exatamente em razão de uma denúncia do Ministério Público, baseada em crimes eleitorais. Como o sr. vislumbra essa independência — muitas vezes de difícil compreensão por parte da população —, uma vez que os recursos do órgão vem exatamente do Poder Executivo?
Essa independência é um preceito constitucional, assim como a autonomia administrativa e financeira, fruto do repasse do duodécimo. Essa falta de subserviência é uma garantia para a sociedade, porque, uma vez independente, há totais condições de fazer a defesa dos interesses da coletividade, sem correr risco de retaliações.

Ocorre que, não raras vezes, os recursos são contingenciados pelo governo estadual, o que acaba por gerar um certo desconforto e desequilíbrio para a instituição. Como lidar com essa situação?
Em virtude dos repasses terem por objetivo atender as demandas sociais e, exatamente por isso serem obrigatórias, as suplementações — quando contingenciadas — quase sempre são realizadas pelo Poder Executivo, após algumas negociações. Contudo, em algumas oportunidades, o ex-procurador-geral já foi obrigado a interpor medidas judiciais — como mandados de segurança, por exemplo — para que as verbas fossem bloqueadas judicialmente, de forma tal que fosse garantido o cumprimento do preceito constitucional. Espero que isso não ocorra nunca mais no Tocantins, e eu não seja obrigado a trilhar o mesmo caminho. Alerto que, se necessário, o farei sem titubear nenhum segundo.

O sr. acredita que a Constituição promulgada em 1988 é um marco na vida dos brasileiros?
Compactuo com Ulysses Guima­rães: trata-se uma Constituição Ci­dadã. Alguns segmentos dizem que há certos exageros na proteção do cidadão, mas discordo. Um país como o nosso — de gritantes desigualdades — há de contar com uma legislação naqueles termos. Se fôssemos um país mais igualitário, onde não houvesse tantos desequilíbrios, talvez a Carta Magna pudesse ser mais flexível. Contudo, no atual contexto, ainda é necessário que a carta constitucional seja repleta de garantias, como a nossa.

O Código de Processo Civil passou por reformas e avanços no ano de 2015. O Código Penal Brasileiro também necessita de drásticas mudanças?
Em que pese ter havido algumas alterações nas leis penais, o código precisa ser atualizado. Já existe no Congresso Nacional, inclusive, uma comissão instituída para analisar e debater o tema, inclusive os crimes cibernéticos, não previstos pelo Código que é da década de 40. É uma pena que todos esses estudos, votações e aprovações delongam um tempo muito grande. O Ministério Público torce para que isso ocorra em breve, para que possa haver mais agilidade e, ao meu ver, um endurecimento da pena em determinados crimes, com a finalidade de coibir as condutas delituosas.

 

Há cerca de 30 vagas à espera de provimento no Ministério Público. O ideal seria que todas as comarcas contassem como um promotor de justiça, visando resguardar os direitos fundamentais de cada um dos cidadãos”

O resultado das atuações do Mi­nis­tério Público Estadual do Tocantins na área da saúde tem tido muito destaque na imprensa. Mas isso ocorre exatamente porque há uma verdadeira judicialização da saúde, na ampla maioria das vezes, fruto da omissão governamental. Como o sr. avalia tais aspectos?
Bom seria se não houvesse necessidade de intervenção ministerial para que o Estado cumprisse suas obrigações. Em países desenvolvidos, há uma pequena proporção de casos judicializados. No Brasil e no Tocantins, tornou-se rotineiro, infelizmente. O Tocantins, particularmente, experimenta hoje uma das crises políticas-econômicas de mais difícil superação e, sob esse argumento, inúmeras vezes o Estado deixou de prestar atenção social a um dos problemas mais graves que a população enfrenta, que é o caos na saúde. Neste contexto, sou favorável às judicializações, mesmo porque não há alternativa. Os cidadãos batem à porta do gabinete dos promotores de justiça, como também dos defensores públicos e pedem socorro. Diante da omissão e inércia estatal, levar os casos à Justiça é a única opção para garantir que os direitos de cada um deles ou da coletividade, sejam preservados.

Há atualmente um déficit de pro­­motores nos quadros do Ministério Público?
Sem dúvida, há cerca de 30 vagas à espera de provimento. O ideal seria que todas as comarcas contassem como um promotor de justiça, visando resguardar os direitos fundamentais de cada um dos cidadãos. Entretanto, ainda não atingimos esse patamar. É necessário enfatizar que, mesmo com o déficit, não há prejuízos para a população, visto que nossos promotores se desdobram, acumulam as funções, se deslocam e respondem pelas cidades circunvizinhas à comarca na qual está lotado. Ocorre que as questões financeiras e orçamentárias impedem esses provimentos dos cargos vagos. Há um orçamento que deve ser cumprido, como também há limites prudenciais, previstos na Lei de Res­ponsabilidade Fiscal que não podem ser ignorados. Para que houvesse novo certame, seria necessário o crescimento da arrecadação e do orçamento do Estado do Tocantins, porque é baseado nele que o duodécimo é repassado ao Ministério Público.