O que significa a ‘violenta emoção’ presente no pacote anticrime de Moro?

O projeto de lei anticrime apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, nesta segunda-feira (4/1), traz mudanças em 14 leis para endurecer o combate e a punição ao crime organizado.

Um dos pontos mais criticado nas redes sociais foi a inclusão do parágrafo 2º ao artigo 23 do Código Penal. O acréscimo estabelece que “o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

“O grande problema desse texto é a falta de esclarecimento sobre o que é uma ação de violenta emoção. Isso fica em plano da percepção do tribunal do júri. Há uma incerteza. Quem pode alegar essa emoção? É um conceito subjetivo”, avalia o procurador regional da República Vladimir Aras.

Ele afirma que a discussão sobre violenta emoção não é nova no Código Penal. O artigo 121 da legislação estabelece que o juiz pode reduzir pena quando ocorrer “crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”.

“A diferença do projeto é o uso da violenta emoção em casos de excesso”, afirma Aras. Além da definição “aberta” do termo, a proposta de Moro não especifica o tempo exato da prática da violenta emoção. “No artigo 121 do atual Código Penal, há a especificação de que, para haver redução de pena, o crime deve ocorrer logo em seguida a uma provocação. No projeto não existe essa indicação”, diz.

Segundo o promotor de Justiça Fabio Bechara, do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), o juiz não poderá afastar ou diminuir a pena em caso de violenta emoção se o júri não for questionado sobre a presença deste fato no caso concreto — sob pena de afrontar a soberania do Tribunal do Júri. “Na hipótese de os jurados reconhecerem a violenta emoção, a avaliação de afastar ou não a pena é do juiz”, explica.

Apesar de não considerar o projeto do ministro Moro problemático, Adriano Alves-Marreiros, promotor de Justiça Militar e membro do grupo MP Pró-Sociedade, que publicou nota em defesa do projeto anticrime, afirma que o parágrafo com a definição de violenta emoção pode ser um dos trechos retirados da lei na tramitação no Legislativo. “É uma definição aberta. A redação ideal seria como a da Justiça Militar”, avalia.

O texto ideal mencionado por Marreiros é o artigo 45 do Código Penal Militar, que diz: “não é punível o excesso quando resulta de escusável surpresa ou perturbação de ânimo, em face da situação”. Para ele, a redação do Código Penal Militar faz mais sentido porque diminui a abertura para diferentes interpretações. Além de não conter o termo “violenta emoção”, considerado subjetivo, o texto tem, segundo o promotor, entendimento mais concreto para um julgamento.

Bechara é uma voz divergente. “Há omissões no atual texto do nosso Código Penal. O projeto em discussão gera uma melhor definição das situações de redução de pena, citando outros dois exemplos: o medo e a surpresa. Isso tampa lacunas do nosso atual texto”, diz o promotor.

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A visão é similar à do juiz federal Bruno Lorencini, presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp). Para ele, é comum no Direito Penal o uso de termos subjetivos. “O legislador tenta evitar termos abertos, mas há situações com circunstâncias que só o juiz ou o júri podem analisar. Violenta emoção, normalmente, são casos de emoções exageradas”, afirma.

Críticos da proposta de Moro dizem que o projeto seria inconstitucional. Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) afirmam que as medidas são polêmicas e envolvem questões ainda não discutidas no tribunal. “Podem alegar que o projeto é contra o Direito à vida e a legítima defesa, por exemplo”, diz Gustavo Baradó, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Ele afirma que, com o projeto, situações como a de um pai que, ao ver sua filha sendo estuprada por um criminoso, rende o estuprador e, dominado pelo sentimento de raiva e forte emoção da situação, mata o molestador já rendido, poderão ser alegadas como um excesso de violenta emoção.

Polícia

Outra discussão é se a “violenta emoção” presente no projeto anticrime se aplicaria a forças do Estado, como a polícia. “No meu entendimento, o policial não se encaixa no parágrafo da lei. São profissionais treinados para situações emocionais extremas. Qualquer outro funcionário militar e de segurança privada dificilmente enfrentará uma situação de violenta emoção”, avalia o criminalista Pierpaolo Bottini.

O advogado acredita que o tema presenta no projeto anticrime não é novidade na doutrina e jusrisprudência penalista, e acrescenta que uma das consequências, caso o texto seja aprovado, será o maior número de absolvições no tribunal do júri. “O ‘excesso’ poderá se tornar um forte argumento para a redução de pena”, afirma.

Já para Bechara, do MPSP, há claras situações de violenta emoção na rotina de um policial. “Um sequestro, por exemplo, é um momento de muito estresse para o policial. Ele pode ser dominado pela pressão e atirar”, afirma.

O juiz federal Lorencini compartilha da opinião. Ele alega que em rondas noturnas em lugares considerados de risco à vida do oficial da polícia há maiores chances de o policial atirar.

“Entretanto, nem todas as situações podem ser alegadas como violenta emoção. O Código Penal exige que aconteça uma ameaça. Se, no meio de uma operação, um criminoso ameaçar a vida de um policial e ele atirar, com o novo projeto, o oficial teria a pena reduzida”, entende Aras.