Em desvantagem, Macri flertou com “bolsonarização” de sua campanha

Depois de uma derrota muito mais amarga do que tinha previsto nas eleições primárias de agosto, o presidente argentino, Mauricio Macri, flertou com a possibilidade de radicalizar seu discurso, adotando bandeiras mais próximas à extrema-direita. Fez contemporizações às ações dos militares durante a ditadura de 1976 a 1983, alertas contra o “perigo comunista”, defesa dos “valores familiares” e ataques ao “politicamente correto”.

“A primeira avaliação dos assessores da campanha de Macri era a de que essa retórica produziu bons efeitos eleitorais com Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil. E poderia mobilizar os setores mais duros do antikirchnerismo na reta final da campanha”, afirmou, sob condição de anonimato, uma fonte diplomática que vive em Buenos Aires.

“As pesquisas que se seguiram, porém, mostraram que características muito particulares do eleitorado argentino rejeitariam a tentativa de Macri de ‘bolsonarizar’ a campanha.”

Uma dessas características é a forte regionalização da política argentina, na qual “caciques” eleitorais mantêm influência em suas províncias e, em grande medida, se negaram a assumir o risco de serem associados à extrema-direita —principalmente em favor de um candidato com possibilidades de sucesso tão reduzidas.

É como se você desse o controle do seu cartão de crédito a sua mulher e ela gastasse, gastasse… e, um dia, hipotecam sua casa! Fala é de Mauricio Macri, durante debate eleitoral, pela TV, ao atribuir os problemas econômicos ao governo que lhe antecedeu, de Cristina Kirchner

Na prática, muitos desses líderes locais abandonaram Macri na reta final da campanha para concentrar esforços em conquistas próprias. Segundo as pesquisas mais recentes, do fim de semana passado, o presidente deve ser derrotado já no primeiro turno, que ocorre neste domingo, pela chapa formada por Alberto Fernández e Cristina Kirchner, sua vice.

Em 4 de outubro, Macri se tornou o primeiro presidente argentino a participar de uma homenagem a 12 militares mortos durante um ataque de guerrilheiros esquerdistas em outubro de 1975.

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Na mesma cerimônia, num quartel de Palermo, em Buenos Aires, o presidente anunciou a concessão de reparação financeira às famílias das vítimas.

O ataque, conhecido como Operação Primicia, é simbólico para setores da direita argentina que contestam indenizações pagas pelo Estado aos ex-guerrilheiros conhecidos como montoneros.

“Assessores de campanha avaliaram que havia um espaço no eleitorado mais à direita que Macri poderia ocupar”, afirmou o cientista político Mario Riorda, num estudo compilado pelo semanário argentino Perfil. “Mas o ‘voto duro’ claramente de direita na Argentina se limita a cerca de 20% do eleitorado. A ele pode se agregar a faixa dos 10% de antiperonistas radicais, que já está com Macri.”

O problema é que, ao optar pela direita, Macri teria de abandonar a disputa pelo centro, muito mais acirrada e onde a chapa formada por Alberto Fernández e Cristina Kirchner parece ter se consolidado.

Dois outros fatores contribuíram para conter a tendência direitista de Macri: uma fala desastrosa durante um debate presidencial —na qual comparou o endividamento do país a “uma mulher que gasta além da conta usando o cartão de crédito do marido”— e os protestos violentos no Chile contra as políticas pró-mercado de Sebastián Piñera, que os argentinos associam ao seu próprio presidente.

“Como a esquerda carece de boas referências, acreditou-se por um momento que havia um clima politicamente favorável para retóricas extremistas e que um ambiente radicalmente conservador poderia incendiar a extrema-direita, como ocorreu no caso de Bolsonaro no Brasil ou Viktor Orbán, na Hungria”, disse o historiador argentino Felipe Pigna em uma entrevista à emissora América 24.

“Mas agora parece mais claro para assessores de campanhas políticas que essa estratégia raramente funciona pelo tempo suficiente para que chegue a dar resultados práticos.”