OPINIÃO: Forçado a recuar no caso de Ilona Szabó, Moro perde seus ‘superpoderes’

A escolha de uma suplente para um conselho pouco popular e com cargo sem remuneração colocou à prova a força de Sergio Moro. Considerado inicialmente um ministro com superpoderes, o resultado foi que ele teve que ceder à pressão de grupos de direita nas redes sociais.

O recuo foi em relação à nomeação de Ilona Szabó, diretora-executiva do Instituto Igarapé, como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

Vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, o conselho tem 26 componentes, entre titulares e suplentes, e tem como função implementar novas diretrizes criminais e carcerárias.

Ilona é conhecida por sua posição contrária à flexibilização do porte de armas.

A nomeação foi publicada no Diário Oficial na quarta-feira. Na noite do dia seguinte, a desistência foi anunciada, após repercussão negativa nas redes sociais entre eleitores do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Ilona é conhecida por sua posição contrária à flexibilização do porte de armas.

Ilona também se posiciona contra a redução da maioridade penal para 16 anos – que, segundo ela, não é capaz de reduzir a quantidade de crimes. Em relação à política de drogas, Ilona defende a legalização de drogas e diz que as atuais condições são prejudiciais à sociedade brasileira e argumenta que falta um programa de saúde adequado para lidar com esse público.

Este e outros episódios vividos por Moro nos dois primeiros meses de governo confrontam a versão de que ele teria carta branca para atuar, opinam cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil.

“O Moro acha que pode mudar as coisas como quer, como quando era juiz, mas não pode. Ele está ligado a um governo de extrema direita e que defende o armamento”, disse a cientista política Vera Lucia Chaia, professora da PUC-SP.

Segundo a especialista, Moro está tendo de lidar com um cotidiano muito diferente daquele a que estava acostumado à frente da Operação Lava Jato.

Do Diário Oficial aos Trending Topics

No dia da nomeação de Ilona, logo cedo, foram publicadas críticas à escolha de Moro no Twitter. Em uma dessas mensagens, Bene Barbosa, da ONG Viva Brasil, que milita pela liberação de armas, classificou Ilona como “inimiga do governo”.

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Também teve repercussão na rede social, entre apoiadores de Bolsonaro e dos movimentos de direita, mensagem com uma foto de Ilona acompanhada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do empresário húngaro-americano George Soros.

Ele é um dos mais renomados investidores e filantropos do mundo, criticado por ativistas de direita no Brasil que o acusam de ser “esquerdista” por financiar ONGs de defesa de direitos humanos.

Episódios vividos por Moro nos dois primeiros meses de governo confrontam a versão de que ele teria carta branca

O Instituto Igarapé confirmou que recebe financiamento da Open Society Foundations, fundada por George Soros, e presidida por Patrick Gaspard. Esclareceu que também é financiado por diversas outras fundações, agências de países estrangeiros e think tanks.

“Nós temos um financiamento diversificado e isso é muito importante para nós, inclusive com recursos que vêm de fora do Brasil. Além disso, é importante esclarecer que trabalhamos em outros países, como África do Sul, Colômbia, Haiti, México, e EUA. Não somos focados exclusivamente no Brasil”, disse à BBC News Brasil Robert Muggah, especialista em segurança e desenvolvimento e um dos fundadores do instituto.

Ainda na manhã da quarta-feira começou a circular a hashtag #ilonanão, que apareceu em 70 mil mensagens no Twitter entre quarta-feira e quinta-feira e alcançou o primeiro lugar nos trending topics mundiais.

“Ilona não é uma infiltrada, não é um cavalo de Tróia! Para que isso fosse possível seria necessário que ela tivesse escondido as pautas que defende e NUNCA O FEZ, está tudo lá, preto no branco, claro e cristalino. #IlonaNão”, escreveu Barbosa em uma de suas mensagens.

Após publicar diversas críticas à escolha de Ilona no Facebook, o MBL (Movimento Brasil Livre), um dos principais impulsionadores dos protestos anti-Dilma em 2016, comemorou o recuo de Moro: “Vencemos!!”

Moro atribui desistência à repercussão negativa

Em nota do ministério, Moro pediu desculpas a Ilona e deixa claro o motivo do recuo, ao mencionar que a revogação da nomeação foi feita “diante da repercussão negativa em alguns segmentos”.

O órgão diz, ainda, que a escolha foi motivada “pelos relevantes conhecimentos da nomeada na área de segurança pública e igualmente pela notoriedade e qualidade dos serviços prestados pelo Instituto Igarapé”.

Bacharel em Relações Internacionais, Ilona tem mestrado em Estudos de Conflito e Paz pela Universidade de Uppsala, na Suécia, e é especialista em Desenvolvimento Internacional pela Universidade de Oslo.