“Marlon Reis aliou-se aos progressistas e Carlos Amastha aos reacionários”

Graduado em Medicina pela Escola Latino-A­me­ricana de Medi­cina de Cuba, em 2012, com diploma re­va­lidado no Brasil pela Univer­si­dade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2015, Nésio Fernan­des de Medeiros Junior é catarinense da cidade de Tubarão e atua na capital tocantinense como médico da Estratégia da Saúde da Família. Foi presidente da Fundação Escola de Saúde Pública de Palmas (TO), além de secretário municipal da Saúde de 2016 a 2018. Sua atuação profissional engloba a saúde da família e comunidade, educação permanente em saúde, gestão da saúde e hansenologia.

Nesta entrevista exclusiva, o presidente estadual do PC do B, Nésio Fernandes, aborda temas correlatos à sua profissão, discorre sobre seus projetos políticos para as eleições de outubro e esclarece as razões pelas quais seu partido decidiu abandonar a coligação encabeçada pelo ex-prefeito de Palmas Carlos Amastha.

Nésio Fernandes é candidato a deputado estadual pelo PC do B.

Como foi sua formação política e sua opção pelo PC do B?

Meus pais eram desenvolvimentistas [espécie de “filhos” de Celso Furtado, que defendia que não basta crescer o bolo econômico — é preciso distribui-lo] e na adolescência me apaixonei pela história, pelo viés e pelas posições socialistas. Me aprofundei nos estudos acerca das concepções teológicas mais progressistas, de esquerda. Optei por construir minhas próprias percepções políticas, vinculadas à Teologia da Libertação, luta contra a pobreza, marxismo, filosofia e economia política.

A ideia inicial era discutir — no âmbito universitário — novos modelos de desenvolvimento, mas não bastava que isso fosse apenas perante o movimento estudantil. Era necessário entrar na política, fazer a diferença e por isso me filiei há vinte anos no PC do B — que, ao contrário do que a ciência política quer fazer crer, não é um partido extremista ou intolerante. Trata-se de um partido de esquerda, nacionalista e histórico. Os preceitos são simples;, todavia, de extrema importância para a compreensão da causa: soberania, desenvolvimento, democracia e direitos sociais. Se não houver soberania, não há desenvolvimento. Caso não haja desenvolvimento econômico não há oportunidades e nem tampouco direitos sociais. Ressalto, por fim, que nunca fui filiado a nenhuma outra sigla partidária, porque creio que esses quatro elementos podem transformar o Brasil num país eficiente. Existem várias outras razões para estar filiado ao PC do B, contudo, essa é uma delas.

Esses ideais se correlacionam com sua estadia em Cuba, um país comunista?

Morei sete anos em Cuba e cursei Medicina em Havana, na Escola Latino-Americana de Medicina. Eu vivi o socialismo na essência, fora das salas de aula e dos livros. Percebi que é possível construir uma sociedade diferente. Não precisamos ser deterministas e fatalistas diante da miséria e do subdesenvolvimento. Se houver vontade política, mesmo com poucos recursos, é possível fazer muita coisa. Cuba é um país pequeno, com pouco mais de 12 milhões de pessoas, que conseguiu universalizar o acesso à saúde de qualidade, não se resumindo apenas à medicina preventiva. O fato é que, mesmo em condições de subdesenvolvimento, o socialismo permitiu que os cubanos alcançassem excepcionais indicadores de desenvolvimento humano. Os países capitalistas subdesenvolvidos de proporções econômicas semelhantes às de Cuba são miseráveis. Neles predomina o analfabetismo, mão-de-obra desqualificada, sem biotecnologia.

Na condição de médico, o sr. comandou a Secretaria Munici­pal de Saúde na gestão do ex-pre­feito Carlos Amastha. Quais fo­ram os avanços da sua gestão?

Voltei para o Brasil com a intenção de criar, na região Norte, programas de medicina familiar e comunitária. Recebi o convite da gestão municipal de Palmas e, efetivamente, apresentei o projeto ao prefeito, que topou implantá-lo. Comecei como médico na região norte da cidade e, no início de 2016, assumi a Secretaria de Saúde Municipal, quando Amastha solicitou que eu implantasse a essência da ideologia do SUS. Permaneci à frente da pasta até meados de 2018, quando me desincompatibilizei do cargo para viabilizar minha candidatura. Pude contribuir durante seis anos com o sistema de saúde do município. Aplicamos R$ 187 milhões no primeiro ano e R$ 193 milhões no segundo ano. Criamos vários programas, como o sistema integrado de saúde de escolas do SUS, a Fundação Escola de Saúde Pública — autarquia responsável por estruturar a educação permanente que visa prioritariamente o desenvolvimento de ciência e tecnologia, financiada pelo SUS —, criamos um programa de bolsas de estudos e pesquisas para educação e trabalho, que é referência internacional. Foram várias ações importantes para o município, dentre as quais pode se destacar o programa “Palmas livre da hanseníase”. Deve-se enfatizar que saímos de 48 equipes do Programa Saúde da Família para quase 90 equipes e criamos 15 núcleos de apoio à saúde da família, que conta com ginecologistas, obstetras, pediatras, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas.

Na convenção do PC do B, o sr. foi indicado para disputar mandato de deputado estadual, na coligação com a Rede, PT, PTB e PDT. Quais são as suas perspectivas acerca do êxito da coligação e de sua candidatura?

-- Publicidade --

O partido deliberou e optou por essa coligação. Acredito que foi um acerto. Se a sigla ficasse na chapa do candidato Carlos Amastha, participaríamos da coligação com partidos gigantes [PR, PSDB, MDB], o que inviabilizaria, por exemplo, a indicação de nove candidatos a deputado estadual. Quanto à minha candidatura, há uma boa perspectiva. Ela está intimamente ligada ao projeto de transformação do Estado, rompendo com interesses escusos. A participação parlamentar é essencial, neste caso, considerando os aspectos progressistas do meu plano de ação. Na condição de parlamentar poderei fazer mais pela saúde de todos os tocantinenses. É necessário, por exemplo, criar um marco legal, que garanta a existência de um financiamento regular do Estado para os municípios, bem como viabilizar um fundo estadual de estruturação das regiões sede, permitindo que as cidades possam cuidar dos seus pacientes. É preciso repensar e rediscutir com o Executivo o modelo de gestão da saúde. Esse debate só é possível no Parlamento.

Estas transformações não estão muito mais atreladas a atos de gestão do que da atuação parlamentar?

Sem dúvida, eu poderia — se houvesse um convite do governador eleito — fazer muito mais pela saúde na condição de secretário de Saúde. Contudo, sem mandato parlamentar, minha situação ficaria fragilizada.

E sua base eleitoral está concentrada em qual região do Tocantins?

Uma candidatura a deputado estadual está mais relacionada a segmentos. É necessário, portanto, inteligência e estratégia para identificar em qual segmento há essa capacidade de influência dos ideais que defendo. Evidentemente, até por minha atuação como secretário e médico, há um grande número de eleitores em Palmas. Entretanto, potencialmente é possível dizer que são 15 municípios os quais considero como estratégicos para a obtenção dos 15 mil votos necessários para ser eleito.

O sr. considera que o ex-prefeito de Palmas Carlos Amastha errou ao abandonar antigos e fiéis aliados [PC do B, PT, PTB] para, no afã de ganhar a eleição, se coligar a candidatos que ele — em outros tempos — classificou como membros da “velha política”?

Não creio que a essência do Carlos Amastha tenha mudado. Ele continua sendo o que sempre foi. A verdade é que poucos o conheciam mais profundamente. Neste contexto, ele vai continuar oscilando e apresentando temperamentos díspares. Sempre disse ao próprio Amastha que, para manter suas ideias e se tornar um líder político, não eram necessárias tantas violências verbais, diretamente ou pelas redes sociais. Muitas vezes, eu e outros companheiros o aconselhamos a ser mais comedido, mais republicano. Contudo, esse é o perfil e o estilo dele. Não creio que haverá mudanças neste particular. A questão não é mudar ou não o discurso, e sim a desastrosa opção tática e política, que ele fez para as eleições de outubro, que traz repercussões concretas. É necessário um projeto de governo claro que aponte rumo para o desenvolvimento, que supere crises, que erradique a pobreza do povo tocantinense. Aliado a isso, também é necessário base política que dê sustentação a esse projeto. O erro dele, neste caso, foi justamente construir alianças com setores que construíram e contribuíram para que o Estado se tornasse subdesenvolvido. Então, estou preocupado com os resultados concretos e questiono quais são os interesses dos grupos econômicos e políticos que sustentam e financiam o projeto dele hoje.

O sr. concorda então que houve um certo exagero na verborragia gratuita?

Amastha errou ao radicalizar demais no passado, criando um polo negativo ao xingar seus adversários. Hoje ele morde a língua, pois faz parte da sua coligação o MDB do governador cassado Marcelo Miranda e da deputada federal Dulce Miranda, além do PR do senador Vicentinho Alves e do deputado federal Vicentinho Júnior. O pior é que, provavelmente, os votos dos candidatos do partido dele e de outros aliados pequenos vão fazer coeficiente eleitoral para reeleger Dulce e Vicentinho Jr., enquanto seus próprios companheiros talvez fiquem sem mandato.

O PC do B lançou uma “nota à imprensa” na qual explica as razões para se afastar de Carlos Amastha e se juntar ao candidato Marlon Reis. O ex-prefeito da capital, ao seu estilo, desdenhou de seu teor, além de rebatê-la com críticas em tom jocoso. Qual é o seu posicionamento acerca desse comportamento do ex-aliado?

Enquanto comunistas, somos seres políticos que não nos isolamos e nem tampouco permitimos que nos isolem. A narrativa que Amastha adotar pouco me importa. Preciso me ater às decisões políticas concretas. Se ele não conseguiu contra-argumentar nossos motivos, apenas lamento. Não vou criar polêmicas com a imprensa, com adversários ou com a sociedade, em razão de oscilações ou destemperos dele. Se eu for construir minhas relações políticas por conta desse tipo de narrativa, em pouco tempo me relacionarei com poucas pessoas. Eu não quero e não vou mudar o estilo dele. Só as urnas podem fazê-lo refletir melhor e, se for o caso, se reformar.

Como o sr. acha possível o candidato majoritário da sua chapa, Marlon Reis, aumentar sua votação — em relação ao pleito suplementar — a ponto de chegar no segundo turno ou mesmo ganhar as eleições?

Quando Marlon Reis desistiu da magistratura para fazer política, agiu de forma corajosa, louvável e acertadamente. Muitos juízes fazem política atrás da toga e isto é péssimo. Desde quando regressou ao Tocantins, tenho insistido que precisa agregar outras forças políticas para chegar ao poder, fazer uma frente ampla, porque sozinho não conseguiria. Insisti até o último minuto para juntá-lo ao candidato Amastha, unindo as oposições. Infelizmente, não foi possível. É preciso ressaltar que Marlon conseguiu agregar e ampliar o leque de apoios políticos pela candidatura dele e mais: ganhou amplitude e capilaridade no interior do Tocantins. O ex-juiz demonstrou ter capacidade para juntar forças progressistas, que Amastha optou por não ter ao seu lado. Nesta eleição Marlon terá mais partidos ao seu lado, mais tempo de TV, ampliação das verbas do fundo partidário e, por fim, mais forças políticas para a disputa, aliado ao fato de não ter de carregar o peso de certas figuras em seu palanque. Nestas circunstâncias, acredito que seja possível aumentar o número de votos que obteve na eleição suplementar.