Em tempos de incertezas “bolsonarianas” ouçamos Zé Ramalho

Tudo bem, me desculpe.

Quem inicia um texto assim? Haha!

Você que clicou no link e chegou aqui por que usei na manchete os dizeres “bolsonarianas”, é pra você o “tudo bem” e o “me desculpe”. Foi só uma tática pra você chegar aqui. Mas já que está lendo este artigo, fique mais um pouco, me esforcei pra você curtir a ideia.

A manchete te trouxe aqui, por favor reflita um pouquinho sobre polarização, sinceramente este escriba não entrou na onda dos que morrem pela esquerda ou direita política, mas claro, quero dos políticos o que todos queremos, honestidade, trabalho, ética e correção nos seus atos. Mas o papo aqui não é sobre isso. É sobre essa polarização maluca que não é de hoje. Você liga a TV e qualquer canal fala a mesma coisa, você entra em um site de notícias e a mesma ladainha se repete. Será que o assunto mais importante do país é o que os Bolsonaros (Flavio, Eduardo, Jair e o resto da prole) comeram ontem, viveram ontem, fizeram ontem? Este não é um artigo político e só coloquei o nome deles aí por contexto de atualidade, mas a mesma coisa aconteceu com FHC, Lula, Dilma, até com o Temer que nem merecia os destaques. Poxa!

Aí todo mundo briga pra defender os seus políticos bonitinhos, desfazem amizades, endeusam os caras, procuram um herói para amenizar suas revoltas. Não lembro quem cravou a frase fatal, mas é verde que é “triste a nação que precisa de heróis”.

Zé Ramalho é um artista atemporal, qualquer letra dele te coloca para refletir o que acontece agora. Nas incertezas do hoje – que não são propriamente geradas pelo Bolsonaro – as letras do Zé, não solucionam os problemas, mas nos acalma ao notar que tudo passa e que crises mais fortes já existiram e foram, lá atrás superadas com ajuda da poesia, da arte que existe nas músicas de crítica social/romântica.

Zé falava dos aviões que vomitavam paraquedas, hoje, se escrevesse algo que refletisse a letra, poderia dizer do vômito social generalizado pela liberdade das redes onde todos falam, gritam, esbravejam se tornam rapidamente conhecedores e mestres da política, da crise na Europa, da crise Muçulmana da política externa comercial do Donald Trump, da fome na África.  Todos falam, todos opinam e isso não é ruim, as redes sociais amplificaram a vozes das conversas de janela, do papo do futebol, da mesa de boteco e consequentemente deram voz também a uma legião de imbecis, como dizia Umberto Eco, o filósofo. É bom que todos possam falar, muito mais importante é que todos saibam escutar. Twitter, Instagram, Facebook, Whatsapp. Estas são as redes mais usadas no Brasil, o que elas têm em comum? Todos falam! Ninguém escuta!

Todos querem mostrar o que comeu, vestiu, bebeu, festejou. A curtida na imagem (é comprovado em estudos científicos) produz endorfina, ocitocina, dopamina e serotonina, os hormônios necessários para que uma pessoa se sinta feliz. Nada contra a tecnologia. Mas há algo aí que não está certo, a rede social só aceita felicidade, realização, conquistas. Você nunca viu alguém postar que está com mau hálito, ou que hoje a noite vai dormir sem tomar banho, ou que soltou vários gazes o dia todo. Não vale aqui dizer que tem as zoeiras dos memes (que isso tem de mais e até diverte).

Volto ao Zé Ramalho para trilhar os primeiros quilômetros do seu Táxi Lunar numa época sem redes sociais, ele (o Zé), o Geraldo Azevedo e Alceu Valença, juntos escreveram essa letra. Não existia Facebook, mas eles postaram na eternidade uma ideia que todos ouviram e ouvem, Táxi Lunar é uma inteligente composição pela liberdade, o romantismo aí é uma crítica social de altíssimo nível, numa época de ditadura. Táxi Lunar é uma esfíngica composição, o automóvel filosófico anseia a beira mar levar o personagem, não para outro mundo, mas para o mesmo local em um tempo onde suas vontades possam ser vividas, expressadas, amadas. (O máximo do Zé Ramalho é que esta mesma letra poder ter outro sentido para você, o que o torna eterno é essa ‘unimultiplicidade’ dos sentidos)

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Por que 16 de maio? O que é uma espaçonave atropelada? Sol lilás? E o que a bela linda criatura, nem menina nem mulher significam?

– Não um grito. Apenas um sussurro inteligentíssimo clamando por liberdade. A bela linda criatura, nem menina nem mulher pode ser na nossa literatura (ou não) a primeira manifestação poética de que, não importa quem você é, você pode amar quem quiser e o governo não tem que dar pitaco no seu coração.

A polarização, os bolsonaros, as redes sociais e Zé Ramalho.

A polarização é o perigo moderno de, apesar do acesso tão fácil às informações, direcionarmos atenção só ao modismo do momento, esquecendo de todo o importante resto que nos rodeia.

Os bolsonaros?

Eles passarão. Relaxa. Sim, podem ser reeleitos, mas passarão. O momento PSDB/FHC foi longo e passou. O momento PT/Lula/Dilma foi longo e passou. O povo merece sim os políticos que tem. O povo coloca e tira, relaxa!

As redes sociais?

Quanta liberdade hein? Temos mais informação do que qualquer imperador de Roma, temos mais informação que o DOI CODI da ditadura militar ou o serviço de inteligência dos EUA nos dos anos 90,80, 70 e 60 tudo junto. O que fazemos com isso? O que produzimos com isso? Como poetizamos isso?

O Zé Ramalho?

Será qual o motivo de nunca mais ter revelado novas composições (tenho certeza que esse mestre não deixou de escrever), tudo o que Zé rabiscou e cantou é atemporal, as obras se encaixam no contexto político, se encaixam nos amores, se encaixam nas críticas sociais. Ontem, hoje, amanhã, daqui 50 anos. O seu sussurro é, e será ouvido.

Não tenho dúvida nenhuma de que o Zé, antes de escrever o que escreveu, de falar o falou e de cantar o que cantou, antes de tudo isso, ele teve que fazer algo que hoje nos é extremamente difícil, ouvir o outro.