Em meio à polêmica, Exército faz cerimônia para lembrar golpe de 64

Comando Militar do Planalto, desdobramento do Exército brasileiro, realizou na manhã desta sexta-feira (29/3) formatura em celebração à data de início da ditadura militar, período obscuro da história brasileira, que completa 55 anos no próximo domingo (31). Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) pediu que a data fosse comemorada e provocou reações em diversos setores da sociedade.

Paralelo ao evento, ocorrido no Setor Militar Urbano, em Brasília, Bolsonaro participou do hasteamento da Bandeira do Brasil, no Palácio da Alvorada. Ao sair do local, rumo ao Planalto, o presidente desceu do carro, cantou o Hino Nacional, participou do ato e se recolheu novamente.

O tenente-coronel Antônio Medeiros explicou que a solenidade durou cerca de 30 minutos e incluiu a execução do Hino Nacional, a leitura da ordem do dia “alusiva ao fato histórico” e desfile da tropa. Segundo o oficial, a cerimônia acontece a cada ano. “Todas as datas históricas são rememoradas, como a Independência e a Semana Militar”, afirmou.

Lido no evento, o texto da ordem do dia ressaltou a participação das Forças Armadas durante o golpe. “As famílias no Brasil estavam alarmadas e colocaram-se em marcha. Diante de um cenário de graves convulsões, foi interrompida a escalada em direção ao totalitarismo. As Forças Armadas, atendendo ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira, assumiram o papel de estabilização daquele processo”, destacou.

Entenda a polêmica
Em uma medida inédita desde a redemocratização, Bolsonaro orientou os quartéis a celebrarem a “data histórica”. Em 1964, militares derrubaram o governo João Goulart e, em seguida, iniciou-se um regime ditatorial que durou 21 anos. As comemorações foram determinadas em ofício divulgado na última segunda-feira (25).

O porta-voz da Presidência da República, general Otávio Santana do Rêgo Barros, explicou que a inclusão da data na ordem do dia das Forças Armadas foi aprovada por Bolsonaro. “O presidente não considera 31 de março de 1964 um golpe militar”, disse.

Logo após a recomendação de Bolsonaro, houve forte reação contrária. Uma ação popular pediu à Presidência da República para se abster de comemorar a data. “Não é o interesse público e sim o jogo da classe dominante. Muda-se o governo, prossegue o drama. Há reiterado problema incontornável quanto à violação à moralidade administrativa”, frisa a peça.

O governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), também reclamou do posicionamento de Bolsonaro e acredita que o presidente precisa ajustar o discurso. “Colocar como comemoração o 31 de março, como se não tivesse havido uma revolução e partidos que sofreram com ela, não contribui com a pauta política”, criticou o titular do Palácio do Buriti.

Recuo no discurso
Após a repercussão, Bolsonaro atenuou o discurso. Em cerimônia de comemoração dos 211 anos da Justiça Militar no Brasil, ele comparou a ditadura militar a brigas de casais que devem ser “esquecidas lá na frente”. “Vamos supor que fôssemos casados, tivéssemos um problema, resolvêssemos nos perdoar lá na frente. É para não voltar naquele assunto do passado, que houve aquele mal-entendido entre nós”, explicou.

O presidente da República encerrou a crise ao afirmar que é preciso “rememorar” a data de início da ditadura para aprender com os erros e acertos do período. Há recomendações do Ministério Público Federal contra as solenidades.

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Veja a íntegra do texto da ordem do dia das Forças Armadas

“As Forças Armadas participam da história da nossa gente, sempre alinhadas com as suas legítimas aspirações. O 31 de Março de 1964 foi um episódio simbólico dessa identificação, dando ensejo ao cumprimento da Constituição Federal de 1946, quando o Congresso Nacional, em 2 de abril, declarou a vacância do cargo de Presidente da República e realizou, no dia 11, a eleição indireta do Presidente Castello Branco, que tomou posse no dia 15.

Enxergar o Brasil daquela época em perspectiva histórica nos oferece a oportunidade de constatar a verdade e, principalmente, de exercitar o maior ativo humano – a capacidade de aprender.

Desde o início da formação da nacionalidade, ainda no período colonial, passando pelos processos de independência, de afirmação da soberania e de consolidação territorial, até a adoção do modelo republicano, o País vivenciou, com maior ou menor nível de conflitos, evolução civilizatória que o trouxe até o alvorecer do Século XX.

O início do século passado representou para a sociedade brasileira o despertar para os fenômenos da industrialização, da urbanização e da modernização, que haviam produzido desequilíbrios de poder, notadamente no continente europeu.

Como resultado do impacto político, econômico e social, a humanidade se viu envolvida na Primeira Guerra Mundial e assistiu ao avanço de ideologias totalitárias, em ambos os extremos do espectro ideológico. Como faces de uma mesma moeda, tanto o comunismo quanto o nazifascismo passaram a constituir as principais ameaças à liberdade e à democracia.

Contra esses radicalismos, o povo brasileiro teve que defender a democracia com seus cidadãos fardados. Em 1935, foram desarticulados os amotinados da Intentona Comunista. Na Segunda Guerra Mundial, foram derrotadas as forças do Eixo, com a participação da Marinha do Brasil, no patrulhamento do Atlântico Sul e Caribe; do Exército Brasileiro, com a Força Expedicionária Brasileira, nos campos de batalha da Itália; e da Força Aérea Brasileira, nos céus europeus.

A geração que empreendeu essa defesa dos ideais de liberdade, com o sacrifício de muitos brasileiros, voltaria a ser testada no pós-guerra. A polarização provocada pela Guerra Fria, entre as democracias e o bloco comunista, afetou todas as regiões do globo, provocando conflitos de natureza revolucionária no continente americano, a partir da década de 1950.

O 31 de março de 1964 estava inserido no ambiente da Guerra Fria, que se refletia pelo mundo e penetrava no País. As famílias no Brasil estavam alarmadas e colocaram-se em marcha. Diante de um cenário de graves convulsões, foi interrompida a escalada em direção ao totalitarismo. As Forças Armadas, atendendo ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira, assumiram o papel de estabilização daquele processo.

Em 1979, um pacto de pacificação foi configurado na Lei da Anistia e viabilizou a transição para uma democracia que se estabeleceu definitiva e enriquecida com os aprendizados daqueles tempos difíceis. As lições aprendidas com a História foram transformadas em ensinamentos para as novas gerações. Como todo processo histórico, o período que se seguiu experimentou avanços.

As Forças Armadas, como instituições brasileiras, acompanharam essas mudanças. Em estrita observância ao regramento democrático, vêm mantendo o foco na sua missão constitucional e subordinadas ao poder constitucional, com o propósito de manter a paz e a estabilidade, para que as pessoas possam construir suas vidas.

Cinquenta e cinco anos passados, a Marinha, o Exército e a Aeronáutica reconhecem o papel desempenhado por aqueles que, ao se depararem com os desafios próprios da época, agiram conforme os anseios da Nação Brasileira. Mais que isso, reafirmam o compromisso com a liberdade e a democracia, pelas quais têm lutado ao longo da História.”