A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou seguimento a habeas corpus de um pescador que foi denunciado após ser flagrado com material de pesca, mas sem peixes, em local irregular. Leia a íntegra da decisão no habeas corpus 166.686, do Rio Grande do Sul.
A Defensoria Pública da União, que atua no caso em nome do pescador artesanal, no entanto, afirma que a ministra contrariou um precedente dela mesma ao tomar a decisão – e em um caso envolvendo o atual presidente da República Jair Bolsonaro (PSL).
No entendimento da DPU, a situação do pescador é similar à de Bolsonaro, que chegou a ser denunciado pelo Ministério Público Federal por crime ambiental depois de ter sido flagrado, em 2012, pescando em área proibida, com vara de pescar, linha e anzol, mas sem espécies marítimas consigo. A denúncia foi rejeitada pelo STF.
Em ambos os casos, a acusação do MPF se baseia no mesmo dispositivo legal: o artigo 34 da Lei Federal 9.605/98, que prevê detenção de um a três anos e/ou multa para pescaria em local proibido. No caso de Bolsonaro, a 2ª Turma do Supremo seguiu, por unanimidade, o voto de Cármen Lúcia, que era a relatora, e aplicou o princípio da insignificância.
“São situações muito próximas e deveriam ter o mesmo desfecho. Os dois foram encontrados sem peixe, mas com instrumentos de pesca. E o caso de Bolsonaro é ainda mais grave, porque foi em um local interditado permanentemente, enquanto o outro é só no período de defeso, de reprodução dos animais”, afirma o defensor público Gustavo Ribeiro, autor do agravo regimental interposto no STF contra a decisão de Cármen Lúcia. Leia a íntegra do agravo.
O defensor sustenta, ainda, que se trata de um pescador artesanal e que a perícia apontou que a rede estava em estado de conservação ruim. “São pescadores pequenos, tanto que a sentença de primeiro grau citou a precariedade do petrecho. Não estamos falando de barco pesqueiro ou algo do tipo”, diz.
A ministra, por sua vez, afirmou que o HC do pescador artesanal não merecia prosperar em respeito à jurisprudência da Corte que determina a “inaplicabilidade do princípio da insignificância quando se realiza pesca em período defeso e com petrechos proibidos, ainda que não apreendida qualquer quantidade de espécimes da fauna aquática”.
A Defensoria, porém, cita no agravo o seguinte trecho do voto de Cármen Lúcia no caso Bolsonaro que entende ser contraditório ao posicionamento atual:
“Conforme esta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, impõe-se a aplicação do princípio da insignificância à espécie em análise. No processo em exame, houve a impossibilidade de produzir-se prova material de qualquer dano efetivo ao meio ambiente, sendo a conduta do Acusado enquadrada no art. 34 da Lei n. 9.605/1998. Mesmo diante de crime de perigo abstrato, não é possível dispensar a verificação in concreto do perigo real ou mesmo potencial da conduta praticada pelo acusado com relação ao bem jurídico tutelado. Esse perigo real não se verifica na espécie vertente”.
Cármen Lúcia, além de ter citado a jurisprudência do STF, entendeu que só teria como acolher as alegações do recorrente se fizesse um reexame probatório dos autos, o que não cabe em sede de habeas corpus.
O flagrante de Bolsonaro ocorreu na porção marítima da Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis (RJ), local interditado para a atividade pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Já o pescador artesanal foi flagrado no rio Uruguai (RS) durante o período de defeso.
Histórico
Esta é a terceira derrota judicial do pescador artesanal, que foi absolvido em primeiro grau, mas sofreu revezes nas instâncias superiores. Inicialmente, a 1ª Vara Federal de Uruguaiana entendeu que não houve “ofensa conecta ao ecossistema para que se justifique a imposição de sanção penal”.
“Não se está a afirmar a aplicabilidade do princípio da insignificância a todo e qualquer delito ambiental, mas somente em casos como o concreto, em que a lesividade da conduta é de tal forma ínfima que não chega a atingir o bem jurídico”, decidiu o responsável pelo caso na primeira instância.
Em segundo grau, porém, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região acolheu recurso do Ministério Público Federal e determinou a remessa dos autos de volta à origem para que fosse afastado do caso o princípio da bagatela.
O réu, então, levou o caso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou o recurso. No entendimento da 5ª Turma do STJ, a decisão do TRF4 foi fundamentada em jurisprudência sólida que impede a aplicação do princípio da bagatela em casos de pesca ilegal, mesmo que não tenham sido apreendidos animais com o pescador.
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MATHEUS TEIXEIRA – Repórter