“A interpretação não pode negar o texto nem afastá-lo atribuindo-lhe sentidos acaso tradutores do desejo do intérprete, por mais louváveis que sejam as crenças políticas, éticas ou ideológicas a animarem esse desejo, por melhores que sejam as intenções”, disse a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, em seu voto contra a prisão após condenação em 2ª instância na última quinta-feira (24/10). Leia a íntegra de seu voto.
Dona de um dos votos considerados definidores do julgamento que discute a constitucionalidade da execução provisória da pena, a ministra Rosa Weber deu o segundo voto pela procedência das ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) 43, 44 e 54, e disse que seu entendimento sobre o tema nunca mudou.
Isso porque a ministra sempre se manifestou contra a prisão após condenação em 2º grau até 2018, quando votou contra a concessão do habeas corpus preventivo ao ex-presidente Lula, para manter a jurisprudência atual dominante na Corte. Desta vez, em controle de constitucionalidade abstrato, Rosa voltou a votar com sua convicção pessoal.
“Apreciei aquele habeas corpus (HC 152.752) nos exatos termos como fiz em todos os outros que desde 2016 me foram submetidos, em atenção ao princípio da segurança jurídica, e sempre reafirmando, por respeito à densidade jurídica da controvérsia posta, que o tema de fundo haveria de ser revisitado no exercício do controle abstrato de constitucionalidade, vale dizer, nas presentes ações declaratórias de constitucionalidade. Não se diga, portanto, que alterei na oportunidade o meu entendimento quanto ao tema de fundo, que hoje volta à análise. Minha leitura constitucional sempre foi a mesma”, explicou Rosa Weber.
E enfatizou: “Gostemos ou não, esta a escolha político-civilizatória manifestada pelo Poder Constituinte, e não reconhecê-la importa reescrever a Constituição para que ela espelhe o que gostaríamos que dissesse, em vez de a observarmos. O Supremo Tribunal Federal é o guardião do texto constitucional, não o seu autor”.
A ministra disse que não cabe ao Supremo interpretar apenas parte do significado do artigo 5º, inciso 57 da Constituição, que diz que ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. “O art. 5º, LVII, da CF enfeixa um princípio, sim – o da presunção de inocência, como tantas vezes tem sido repetido, mas também enfeixa uma regra propriamente, uma regra específica, o que não se pode ignorar. Trata-se de amarra insuscetível de ser desconsiderada pelo intérprete. Diante da regra expressa veiculada pelo constituinte – a fixar, objetivamente, o trânsito julgado como termo final da presunção de inocência, o momento em que passa a ser possível impor ao acusado os efeitos da atribuição da culpa –, não me é dado, como intérprete, ler o preceito constitucional pela metade, como se contivesse apenas o princípio genérico, ignorando a regra que nele se contém”, falou.
“Data venia dos esforços hermenêuticos empreendidos, nenhuma das laboriosas e sofisticadas exegeses consegue se livrar do problema hermenêutico de interpretar um texto de modo a lhe retirar a eficácia. Se a interpretação contemporânea expandiu o universo das possibilidades semânticas disponíveis ao intérprete, de modo algum ele está autorizado a negar que sua vontade não é absoluta, devendo render reverência ao texto como realidade objetiva”, disse a ministra em seu voto.