“Nova CPMF”: em que contexto a proposta de Paulo Guedes seria aceitável?

Mesmo sem termos muitos detalhes sobre o modo de cobrança da nova CPMF que o economista Paulo Guedes (economista de Bolsonaro) tem em mente, é possível prevermos um contexto em que a proposta da volta desse tributo seja aceita pela Sociedade no caso de vir a ser eleito o candidato Jair Bolsonaro.

A antiga CPMF foi cobrada a partir de 1997. Por um breve período de 6 meses, no primeiro semestre de 1999, sua cobrança foi interrompida, mas foi reestabelecida no segundo semestre daquele ano, vigorando até a sua extinção em 2007.

Tratava-se de um tributo “produtivo”, porque muito difícil de ser sonegado ou evitado. A circulação de alto volume de dinheiro físico envolvia riscos elevados, de modo que o uso irresistível do sistema financeiro pela maior parte das empresas e pessoas físicas acabava determinando um nível constante de arrecadação do tributo. Não havia muita margem para “planejamento tributário”.

Também se tratava de um tributo cuja cobrança era barata, para não dizer gratuita. Isso decorre de uma tradicional deslealdade com que o Estado brasileiro trata as instituições financeiras, que são obrigadas a recolher, hoje, por exemplo, Imposto de Renda na Fonte e IOF de seus clientes, sem nada ganharem por isso. E, com o retorno da CPMF, as instituições financeiras voltarão a recolher gratuitamente esse tributo – o que para o Governo Federal será bem vantajoso.

Outra maravilha financeira da CPMF, para o Governo Federal, era a retenção exclusiva da sua arrecadação nos cofres da federais, sem partilha com Estados e Municípios.

Para o Governo Federal, a arrecadação da CPMF significava proveito máximo.

A CPMF, por outro lado, trazia prejuízos para a Sociedade. E se for mantida a configuração antiga da sua cobrança, esses problemas serão repetidos. Vamos a esses problemas que poderão ocorrer:

Em primeiro lugar, como dito, a cobrança da CPMF acarretará mais um ônus desleal para as instituições financeiras, que serão obrigadas a cobrar de seus clientes o tributo usando seus sistemas de processamento de dados e sua força de trabalho, sem receberem nenhuma contrapartida por isso. Será como um “convênio” de arrecadação forçado, que, no entanto, encarecerá mais ainda os serviços financeiros que nós, cidadãos, tomaremos das instituições financeiras (depósitos, empréstimos, financiamentos, investimentos, etc).

Em segundo lugar, a CPMF terá efeitos inflacionários difíceis de medir e de controlar, pois virá embutida no preço de tudo o que os consumidores comprarão. Terá um efeito propagador de inflação muito mais forte do que a CIDE Combustíveis tem hoje, pois incidirá multiplamente sobre todos os bens, serviços e mercadorias que forem comprados pelos consumidores.

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Em terceiro lugar, a CPMF será um tributo cobrado sob o efeito de “ilusão fiscal”, uma vez que seu ônus virá embutido nos preços de bens, mercadorias e serviços. Ou seja, como sua incidência será múltipla, o consumidor final não conseguirá estimar o quanto de CPMF haverá naquilo que comprar, pois a cobrança do tributo ocorrerá em “cascata” nas operações anteriormente praticadas pelos fornecedores.

Em quarto lugar, a CPMF incentivará o uso de dinheiro fora do sistema financeiro, empurrando as pessoas para o hábito de movimentar dinheiro físico, gerando problemas de segurança pública, além de incentivar o caixa dois e o uso de doleiros. Essa movimentação não será suficiente para afetar significativamente a arrecadação, como não foi no passado, mas vai fazer prosperar o crescimento de quadrilhas especializadas em fraudes fiscais.

Mas o mais importante problema da CPMF é: todos os tributos são um mal em si. Transferem renda da Sociedade, que gera bons empregos e investimentos economicamente saudáveis, para o Estado, que é um péssimo gastador no mundo todo – e particularmente péssimo no Brasil, onde a corrupção e a ineficiência atingem números trágicos. Ou seja, como todos os tributos, a CPMF empobrecerá ainda mais a Sociedade.

E a Sociedade não aguenta mais pagar tributos. Já transferimos para o Estado, a título de tributos, 32% do PIB. Um país economicamente competitivo deve reduzir sua tributação para atrair investimentos e gerar empregos bons, permitindo que a própria Sociedade distribua renda e bem-estar de modo eficiente – coisa que o Estado não é capaz de fazer.

Só vejo um cenário em que a CPMF seja aceitável – a de ser criada a contribuição novamente com um “P” de “Provisória” já no seu nome, como se fez no passado. Tudo bem que a CPMF durou 10 anos, o que deixa sua provisoriedade sob suspeita – mas perceba uma coisa: de todos os grandes tributos que existem desde 1997, o único que foi extinto foi justamente a CPMF. A cada renovação da cobrança, o Congresso Nacional era obrigado a discutir a necessidade de sua extinção, até que um dia a CPMF deixou de existir.

Mas, claro, além de ser provisória no seu nome, a provisoriedade da CPMF deve ser determinada na lei que a instituir, de modo que sejam determinadas pelo menos duas condições: prazo de vigência (2 anos renováveis pelo Congresso Nacional por igual período, por exemplo) e destinação da arrecadação para a Previdência Social vinculada ao tempo que for necessário para que o Congresso Nacional aprove a reforma da previdência.

A Sociedade poderá aceitar novamente um tributo que seja provisório e cuja cobrança seja justificada com a tentativa de evitarmos um mal maior (insolvência pública), de forma que haja um compromisso sincero do novo Presidente da República de equilibrar as contas públicas e reduzir o tamanho do Estado para permitir, no futuro, a redução da carga tributária.

A proposta não será absurda se vier, portanto, em um contexto de recuperação do equilíbrio das contas públicas e de redução do tamanho do Estado. Não será difícil demonstrar aos brasileiros a necessidade de evitarmos que a nossa Economia atinja a atual situação de instabilidade da Argentina.

Mas se não houver essa promessa de provisoriedade e o compromisso de melhoria do gasto público vinculados à cobrança da nova CPMF, sua aceitação será improvável. E convenhamos: se for criado mais um tributo sem essas amarras, apenas adiaremos o desastre das contas públicas e, no futuro, veremos que o esforço fiscal feito pela Sociedade não terá valido a pena.

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.