“Pobre não tem valor”, diz viúva de catador morto após 80 tiros no Rio

“Vai ser difícil olhar para o rosto da minha filha e lembrar de tudo. Não sei nem o que vou falar quando ela perguntar quem é o pai dela”, desabafou Dayana Horrara da Silva, 27 anos. Grávida de 5 meses, ela é viúva do catador de materiais recicláveis Luciano Macedo, 28, que morreu após ajudar a família do músico Evaldo Rosa, fuzilado pelo Exército com 80 tiros no dia 7 de abril, no Rio de Janeiro. Luciano foi baleado durante a ação e ficou no hospital por 10 dias.

Dayana falou com a imprensa pela primeira vez após a morte do marido. A entrevista foi produzida por Antonio da Costa, da ONG Rio de Paz, e veiculada pelo jornal O Globo. A mulher narrou os momentos de horror pelos quais passou ao lado do marido. De acordo com Dayana, eles tinham acabado de lanchar e deixavam a favela quando ouviram os disparos.

Esse foi o momento em que ouviram os gritos de socorro de Luciana Nogueira, 41, viúva do músico baleado enquanto dirigia o próprio carro. O catador viu o filho do casal e se prontificou a ajudar a família. Depois de tirar a criança do carro, Luciano voltou para tentar salvar o músico. “Ele deu a volta no carro e viu o homem, que tentou falar, mas não conseguiu. Falei ‘Luciano, deixa ele aí. Ele acabou de morrer’”, lembrou.

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Triste, a viúva lembrou do ex-companheiro e lamentou. “É difícil. Ele me acompanhava em todos os momentos da minha vida”, recordou Dayana sobre Evaldo, que era dedicado, adorava crianças e não via a hora de ver o rosto da filha. “Hoje foi meu marido, amanhã vai ser outro. Infelizmente, um pobre que mora em favela não tem valor”

Entenda o caso
Luciano Macedo ficou gravemente ferido, com complicações pulmonares, após a ação que matou Evaldo dos Santos Rosa. No veículo fuzilado estavam a mulher do músico e o filho do casal, uma criança de 7 anos, que saiu ilesa. Também estavam no carro o sogro de Evaldo e o filho de uma amiga. Eles seguiam para um chá de bebê. Dez dos 12 oficiais que atiraram 80 vezes contra o automóvel da família foram presos no dia 8 de abril pelo Exército.

O catador passou por dois procedimentos médicos: uma traqueostomia e uma cirurgia no pulmão. No entanto, não resistiu e o óbito foi confirmado em 17 de abril. Um dia antes da morte de Luciano, a Justiça havia determinado a transferência dele para o Hospital Municipal Doutor Moacyr Rodrigues do Carmo, em Duque de Caxias, mas a ação não foi realizada.